Dois Evangelhos – Marcos e Mateus – nos colocam diante de um encontro impressionante entre Jesus, um rabino judeu, e uma mulher grega da região de Tiro e Sidom (Marcos 7:24-29; Mateus 15:21-28). Este não é um encontro qualquer. É um choque de culturas, expectativas e prioridades divinas, ambientado em um lugar carregado de significado histórico. Tiro e Sidom, parte da antiga herança tribal de Aser, nunca foram plenamente reivindicadas por Israel. Mesmo nos dias de Jesus, este era território gentio – estrangeiro, pagão e fora da comunidade da aliança. Ainda assim, aqui está Jesus, adentrando esta fronteira, onde uma mãe desesperada se lança a seus pés, implorando por ajuda: “Tem misericórdia de mim, Senhor, Filho de Davi! Minha filha está horrivelmente endemoninhada” (Mateus 15:22).
Vamos pausar e sentir o peso de seu clamor. Este não é um pedido casual. A vida de sua filha está despedaçando-se, possuída por uma força que ela não pode enfrentar. Ela é uma gentia, uma mulher e uma mãe, situada fora do círculo interno cultural e religioso de Israel. Mesmo assim, ela chama Jesus de “Senhor” e “Filho de Davi” – títulos carregados de significado messiânico. Como ela conhecia esses termos? Talvez tivesse ouvido rumores sobre este curandeiro judeu, ou talvez seu desespero a tenha levado a agarrar-se a qualquer esperança, por mais estrangeira que fosse. De qualquer forma, ela está totalmente entregue, suplicando por misericórdia.
O que Jesus faz a seguir pode nos deixar desconfortáveis. Ele não responde. Nenhuma palavra. Ele a trata com silêncio, deixando seu apelo pairar no ar. Seus discípulos, incomodados por sua persistência, pedem que ele a despache: “Manda-a embora, porque vem gritando atrás de nós” (Mateus 15:23). Quando Jesus finalmente fala, suas palavras não transbordam exatamente compaixão: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24). Ai. Isso é um não categórico, um lembrete de que sua missão está focada exclusivamente no povo da aliança de Deus. Mas esta mulher? Ela não se intimida. Ajoelha-se diante dele, insistindo: “Senhor, socorre-me!” (Mateus 15:25).
É aqui que as coisas ficam ainda mais intensas. Jesus responde com uma metáfora que soa dura aos ouvidos modernos: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos” (Mateus 15:26). Cachorrinhos? Sério, Jesus? Chamar uma mãe desesperada de cachorro parece um golpe baixo. Mas espere – não julguemos precipitadamente. O contexto é tudo. No antigo Oriente Próximo, os cães não eram os animais mimados que acariciamos hoje. Eram frequentemente animais marginalizados, vivendo às margens, fora do círculo familiar. Jesus não está desumanizando-a; ele está traçando uma linha. Os “filhos” são Israel, a família da aliança de Deus, e o “pão” é a bênção da salvação destinada a eles primeiro. Os “cachorrinhos” são os gentios, aqueles fora da casa da fé. Não é um insulto – é uma declaração de prioridade.
Pense nisso desta forma: Jesus está ecoando um princípio que percorre as Escrituras. O plano de Deus sempre foi abençoar o mundo através de Israel. Como Paulo escreveria mais tarde, o evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Romanos 1:16). Primeiro não significa exclusivamente, mas significa que a ordem importa. A missão de Jesus começa com as “ovelhas perdidas” de Israel, a família que Deus escolheu para carregar sua promessa. Esta mulher, como gentia, está de fora olhando para dentro – pelo menos por agora.
Mas esta mãe não recua. Sua resposta é simplesmente brilhante: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos” (Mateus 15:27). Boom. Ela pega a metáfora de Jesus, a reinventa e a devolve com uma fé tão ousada que beira a audácia. Ela não contesta a prioridade de Israel. Não exige um lugar à mesa. Ela diz: “Tudo bem, sou um cachorrinho. Mas até os cachorrinhos comem migalhas, e migalhas são suficientes para mim.” Ela não está pedindo o pão inteiro – apenas um fragmento da misericórdia de Deus. E ela acredita que esse fragmento é suficiente para salvar sua filha.
É aqui que a história muda. O tom de Jesus se transforma, e você quase pode ouvir a admiração em sua voz: “Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres” (Mateus 15:28). Imediatamente, sua filha é curada. Sem demora, sem condições – apenas um milagre nascido de uma fé incansável. Mas o que havia em sua resposta que mudou tudo? Por que Jesus, que momentos antes parecia tão focado em Israel, agora quebra o protocolo para ajudar uma gentia?
É sua fé. Não qualquer fé, mas o tipo que ecoa os gigantes da história de Israel. Pense em Abraão, que debateu com Deus sobre o destino de Sodoma, confiando na justiça divina (Gênesis 18:22-33). Pense em Moisés, que suplicou a Deus para poupar Israel após o bezerro de ouro, confiando na misericórdia divina (Êxodo 32:11-14). Esta mulher, uma gentia de Sidom, demonstra a mesma fé audaciosa e argumentativa. Ela não aceita passivamente as palavras de Jesus. Ela se engaja, pressiona, acredita que o Deus por trás deste rabino é bom, justo e transbordante de compaixão. Ela crê que um fragmento de seu poder é suficiente – e ela está certa.
Este encontro não é apenas um milagre isolado. É uma prévia do plano maior de Deus. A missão de Jesus começa com Israel, mas nunca foi destinada a terminar aí. Os profetas previram um dia em que os gentios viriam à luz de Deus (Isaías 60:3). Os Salmos declararam que todas as nações louvariam ao Senhor (Salmo 117:1). Até mesmo na Torá, a aliança de Deus com Abraão foi destinada a abençoar “todas as famílias da terra” (Gênesis 12:3). A fé desta mulher traz esse futuro para o presente, mostrando que a misericórdia de Deus já está transbordando das bordas da mesa de Israel.
Vamos ampliar o olhar e conectar os pontos. Esta história desafia como pensamos sobre os de dentro e os de fora. As palavras de Jesus sobre “filhos” e “cachorrinhos” não são sobre exclusão – são sobre tempo e prioridade. O plano de Deus se desdobra em etapas, mas seu coração é sempre maior do que esperamos. A fé da mulher prova que mesmo aqueles “de fora” podem acessar a misericórdia de Deus quando se aproximam com confiança e humildade. Ela não exige seus direitos; ela apela ao caráter de Deus. E Jesus, comovido por sua fé, mostra que ninguém está longe demais do alcance divino.
Para nós, esta história é impactante. Com que frequência rotulamos certas pessoas como “alheias” à graça de Deus? Quão rápidos somos em guardar o “pão” da bênção divina, esquecendo que sua mesa é grande o suficiente para todos? E quanto à nossa própria fé? Somos corajosos o suficiente para continuar batendo, para continuar suplicando, mesmo quando Deus parece silencioso? Esta mulher não permitiu que o silêncio, a rejeição ou as barreiras culturais a detivessem. Ela insistiu, acreditando que a misericórdia de Deus era maior que qualquer fronteira.
No final, este encontro em Tiro e Sidom não é apenas sobre uma cura. É sobre um Deus que honra a fé, não importa de quem venha. É sobre um Messias cuja missão começa com Israel mas se estende até os confins da terra. E é sobre uma mãe que nos lembra que até mesmo um fragmento da misericórdia de Deus é suficiente para mudar tudo. Sua história nos desafia a crer no mesmo.
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