Gostaria de compartilhar uma anedota engraçada que encontrei, originalmente contada pelo comediante judeu russo Gary Guberman. A piada se desenrola como uma conversa entre dois amigos idosos, Abram e Chaim. Abram, de 87 anos, decide visitar seu amigo mais velho, Chaim, que tem 97.
Abram: “Chaim, vim me despedir porque amanhã partirei desta vida. Vivi uma vida longa e feliz, mas agora estou pronto para ir, e tenho certeza de que isso acontecerá amanhã.”
Surpreso com a certeza de seu amigo mais novo, Chaim faz um pedido peculiar.
Chaim: “Abram, tenho um favor a te pedir.”
Abram: “Sim, Chaim. O que for.”
Chaim: “Amanhã, quando você for, chegará a um lugar melhor e, em algum momento, poderá encontrar o Criador, Bendito seja Ele. É possível que Ele pergunte sobre mim. Então, por favor, diga que não me vê há algum tempo e não faz ideia de onde estou.”
Essa troca leve nos leva a refletir sobre uma questão séria: qual é o estado daqueles que partiram desta vida, e eles podem interagir com os que ainda estão na terra? Para os cristãos, essa pergunta está no cerne da doutrina da comunhão dos santos, que afirma que os fiéis, seja na terra ou no céu, permanecem unidos em Cristo e podem apoiar uns aos outros por meio da oração. Este artigo explora os fundamentos bíblicos, históricos e teológicos para pedir a intercessão dos falecidos, incluindo Maria, a Mãe de Jesus. Também aborda objeções protestantes comuns e recorre às tradições judaicas para fornecer um contexto mais amplo para essa prática, valorizada por católicos, ortodoxos e alguns anglicanos e luteranos.
A base para entender o estado dos falecidos começa com o ensino de Jesus em Mateus 22:29-32. Quando os saduceus, que negavam a ressurreição, desafiaram Jesus com uma pergunta hipotética sobre o casamento na vida após a morte, Ele respondeu: “Vocês estão enganados, pois não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus… Quanto à ressurreição dos mortos, vocês não leram o que Deus lhes disse: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó’? Ele não é Deus de mortos, mas de vivos.” Citando Êxodo 3:15, Jesus afirma que Abraão, Isaque e Jacó, embora fisicamente mortos, vivem na presença de Deus. Essa passagem estabelece uma premissa teológica crucial: os que morreram na fé não estão verdadeiramente mortos, mas vivem em comunhão com Deus. Esse entendimento forma a base para a doutrina da comunhão dos santos, articulada no Credo dos Apóstolos, que declara a fé na “santa igreja universal, a comunhão dos santos”. Historicamente, essa frase abrangia tanto os fiéis vivos quanto os que estão no céu, sugerindo uma unidade mística que transcende a morte física.
O Livro de Hebreus esclarece ainda mais essa ideia, descrevendo uma “grande nuvem de testemunhas” que rodeia os fiéis (Hebreus 12:1). Essa imagem evoca os justos de gerações passadas — figuras como Gideão, Davi e os profetas — que, pela fé, conquistaram reinos, suportaram provações e agora testemunham a corrida daqueles que ainda estão na terra (Hebreus 11:32-38). Essa passagem implica que os falecidos permanecem conscientes e engajados com as lutas dos vivos. Se eles estão vivos na presença de Deus e fazem parte dessa comunhão, seria apropriado pedir que orem por nós, assim como pediríamos a um amigo na terra? Para muitos cristãos, a resposta é sim. A lógica é simples: se posso pedir a um irmão que interceda por mim, por que não pedir a alguém no céu, que está mais perto de Deus? Essa prática está particularmente associada a Maria, venerada como Mãe de Jesus, cujo papel único a torna uma intercessora poderosa nas tradições católica e ortodoxa.
A Escritura oferece vislumbres do papel intercessório dos santos no céu. Em Apocalipse 6:9-10, as almas dos mártires clamam: “Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro, tardarás a julgar e vingar o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” Essa oração apaixonada mostra os falecidos advogando pela justiça em favor dos vivos. Da mesma forma, Apocalipse 5:8 e 8:3-4 descrevem seres celestiais apresentando as orações dos santos a Deus, sugerindo que os falecidos amplificam as petições terrenas. Essas passagens apoiam a ideia de que os santos no céu não estão alheios, mas participam ativamente do plano redentor de Deus. Para católicos e ortodoxos, pedir a Maria ou a outros santos que orem é uma extensão dessa realidade, como unir-se a uma reunião de oração celestial onde todos os fiéis, vivos e falecidos, se unem em Cristo.
Os protestantes frequentemente levantam objeções a essa prática, citando Deuteronômio 18:10-15, que proíbe consultar os mortos por meio de práticas como adivinhação, feitiçaria ou mediunidade. Essa proibição, porém, deve ser entendida em seu contexto. Deuteronômio condena práticas pagãs voltadas a obter conhecimento oculto ou manipular forças espirituais, como nos rituais das nações vizinhas. Não se trata de pedir orações intercessórias. O próprio Jesus, que cumpriu perfeitamente a Lei, comunicou-se com Moisés e Elias na Transfiguração (Mateus 17:3), indicando que a interação com os falecidos não é inerentemente pecaminosa. A distinção crucial está no propósito: uma sessão espírita busca conhecimento proibido, enquanto pedir orações é um ato humilde de comunhão. A história de Saul e a médium em 1 Samuel 28:8-15 ilustra isso. O pecado de Saul não foi apenas contatar Samuel, mas buscar orientação estratégica para derrotar seus inimigos, movido por medo e impaciência, não por confiança em Deus. Em contraste, pedir a Maria ou aos santos que orem está alinhado com a natureza comunitária da fé cristã, onde os fiéis se apoiam além da barreira da morte.
As tradições judaicas fornecem um contexto valioso para essa prática. No judaísmo rabínico, orar nos túmulos dos justos (kivrei tzaddikim) é um costume antigo. O Talmude relata que Caleb visitou a Caverna dos Patriarcas para pedir que seus antepassados intercedessem por ele contra o conselho maligno dos espias (Sotah 34b). Da mesma forma, Taanit 16a descreve judeus orando em cemitérios durante calamidades, acreditando que os falecidos poderiam pedir misericórdia por eles. Essas práticas refletem a crença de que os justos, mesmo após a morte, permanecem conectados aos vivos e podem fortalecer suas orações. A oração judaica Machnisei Rachamim pede que os anjos levem as súplicas humanas a Deus, paralelamente aos pedidos cristãos aos santos. Um exemplo marcante aparece em Jeremias 31:15, onde Raquel, há muito falecida, chora pelos exilados de Israel, e Deus a ouve. Embora possa ser poético, esse texto sugere que os justos falecidos se importam e intercedem pelos vivos, uma crença que os primeiros cristãos provavelmente herdaram e adaptaram.
Outra objeção protestante é que a Escritura não ensina explicitamente a pedir orações aos falecidos. Embora não haja um mandamento direto, essa ausência não equivale a uma proibição. Muitas doutrinas cristãs, como a Trindade, não são declaradas explicitamente na Escritura, mas emergiram da reflexão teológica sobre verdades implícitas. A abolição da escravidão e a preferência pela monogamia também não têm mandamentos bíblicos explícitos, mas são universalmente aceitas pelos cristãos hoje, desenvolvidas a partir de trajetórias na Escritura. Os Livros dos Macabeus, parte do cânon católico e ortodoxo, oferecem mais apoio. Em 2 Macabeus 15:12-15, Judas Macabeu tem uma visão de Jeremias orando por Israel, destacando seu papel intercessório. Críticos que afirmam que essa prática não é bíblica geralmente se referem à sua ausência no cânon protestante, que exclui esses livros. No entanto, esses textos faziam parte do cânon cristão primitivo, incluídos na Septuaginta e afirmados por concílios como Roma (382) e Trento (1546). As primeiras Bíblias protestantes, incluindo a tradução de Lutero e a King James de 1611, continham esses livros, muitas vezes como leitura “útil”, até sua remoção em 1825 pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
A parábola de Lázaro e o rico (Lucas 16:19-31) oferece outra perspectiva. Nessa história, o rico no Hades pede que Abraão envie Lázaro para ajudá-lo ou avisar seus irmãos. Embora a lição principal da parábola enfatize a suficiência da Palavra de Deus (Moisés e os Profetas), ela reflete uma suposição cultural judaica de que os falecidos poderiam ser invocados. Isso sugere que a audiência de Jesus estava familiarizada com tais ideias, mesmo que a parábola não endosse a prática diretamente. Combinado com as descrições de oração dos santos no Apocalipse e as tradições judaicas, surge um caso robusto para a legitimidade de pedir intercessão aos falecidos, incluindo Maria.
Uma última objeção diz respeito ao papel de Cristo como único mediador (1 Timóteo 2:5). No entanto, a oração intercessória não mina isso. Em 1 Timóteo 2:1-4, Paulo exorta os fiéis a orarem uns pelos outros, chamando isso de “bom e agradável” a Deus. Se a intercessão terrena é válida, a celestial também é, pois ambas dependem da mediação de Cristo. Pedir a Maria ou aos santos que orem não é contornar Jesus, mas unir-se a eles em busca de Sua graça. O papel único de Maria como Mãe de Jesus a torna uma intercessora especialmente poderosa, venerada em tradições que a veem como uma nova Raquel, chorando e orando pelo povo de Deus.
Em conclusão, a prática de pedir a Maria e aos santos que orem por nós está fundamentada na afirmação bíblica de que os falecidos estão vivos em Deus, orando ativamente como parte da comunhão dos santos. Tradições judaicas, credos cristãos primitivos e vislumbres escriturísticos da intercessão celestial apoiam essa visão. Objeções baseadas em Deuteronômio, na falta de ensino explícito ou na mediação de Cristo são respondidas distinguindo entre práticas ocultas e pedidos de oração, reconhecendo trajetórias bíblicas implícitas e afirmando o papel único de Cristo. Como na brincadeira de Abram e Chaim, a comunhão dos santos nos convida a ver os falecidos como parceiros em oração, unidos no amor de Cristo.