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A Divisão entre Samaritanos e Judeus: Contexto Histórico e Religioso
O encontro entre Jesus e a mulher samaritana no poço de Jacó em Sicar (João 4:5–6) está mergulhado na animosidade histórica entre samaritanos e judeus, uma divisão que remonta à conquista assíria do reino do norte de Israel (722 a.C.). Os samaritanos, descendentes de israelitas misturados com colonos estrangeiros (2 Reis 17:24–41), desenvolveram uma identidade religiosa distinta, centrada no monte Gerizim, onde construíram um templo rival ao de Jerusalém (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 11.310–311). No período do Segundo Templo (516 a.C.–70 d.C.), os samaritanos seguiam sua própria versão da Torá, rejeitando os livros proféticos e o Templo de Jerusalém como o único local legítimo de adoração.
Essa divergência teológica alimentou hostilidade mútua. Os judeus consideravam os samaritanos impuros ritualmente e desviantes teologicamente, enquanto os samaritanos se viam como os verdadeiros guardiões da fé israelita, preservando o antigo local de adoração escolhido por Josué (Deuteronômio 11:29; Josué 8:33). A pergunta da mulher samaritana em João 4:20—“Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”—toca no cerne dessa disputa, refletindo séculos de rivalidade sobre o espaço sagrado e o favor divino.
A resposta de Jesus em João 4:21–24 é revolucionária: “Vem a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai… Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” Essa declaração transcende as fronteiras geográficas e étnicas que definiam o conflito samaritano-judeu, apontando para uma nova era de adoração centrada na realidade espiritual da presença de Deus. No entanto, Sua afirmação, “a salvação vem dos judeus” (João 4:22), ancora essa visão universal na particularidade da história da aliança de Israel, especialmente na tribo de Judá. Para entender isso, devemos examinar três aspectos fundamentais.
1. A Diversidade do Judaísmo no Primeiro Século
A afirmação de que “o judaísmo rabínico atual não é idêntico ao(s) judaísmo(s) do primeiro século” é crucial. O judaísmo do Segundo Templo não era uma tradição monolítica, mas um mosaico vibrante de seitas e ideologias, incluindo fariseus, saduceus, essênios, zelotes e vários movimentos messiânicos. Esses grupos divergiam sobre adoração no templo, interpretação das Escrituras e expectativas escatológicas. Os fariseus enfatizavam a tradição oral e a ressurreição, os saduceus seguiam estritamente a Torá e rejeitavam a vida após a morte, e os essênios buscavam pureza ascética em antecipação à intervenção divina (Josefo, Guerra Judaica 2.119–166).
Nesse contexto, havia espaço para judeus seguidores de Jesus. As primeiras comunidades cristãs, como as descritas em Atos, eram predominantemente judaicas e viam Jesus como o cumprimento das promessas proféticas de Israel (Atos 2:36; 3:18–26). Figuras como Tiago, Pedro e Paulo operavam dentro de estruturas judaicas, observando a Torá e participando do culto no templo enquanto proclamavam Jesus como Messias (Atos 21:20–26). A rejeição de Jesus por alguns líderes judeus, especialmente o sacerdócio saduceu (Marcos 14:55–64), não representava uma posição universal. Portanto, equiparar o judaísmo rabínico moderno—codificado após a destruição do templo em 70 d.C. na Mishná e no Talmude—ao judaísmo do primeiro século simplifica demais a realidade histórica e obscurece as raízes judaicas do movimento de Jesus.
A afirmação de Jesus sobre “o que nós [judeus] sabemos” (João 4:22) reflete Seu alinhamento com a tradição da aliança judaica, especialmente as promessas ligadas a Jerusalém e à linhagem davídica. Isso não anula a fé samaritana, mas destaca o papel único de Judá no plano redentor de Deus.
2. O Conceito Bíblico de Salvação
O segundo aspecto redefine a salvação em seu contexto bíblico, distinto das noções ocidentais modernas de escape individual do inferno. No judaísmo do Segundo Templo, salvação (yeshuah em hebraico) estava ligada ao reinado escatológico de Deus, à restauração de Israel e ao estabelecimento da justiça divina sobre as nações. Essa visão, articulada por profetas como Isaías, Jeremias e Zacarias, antecipava um rei messiânico que traria o reino de Deus, com paz, justiça e adoração universal (Isaías 2:2–4; Zacarias 9:9–10).
Por exemplo, Isaías 49:6 descreve o Servo de Israel como “luz para os gentios, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.” Essa salvação inclui a restauração das tribos de Israel e a incorporação das nações na aliança divina. Da mesma forma, o Salmo 72 retrata o rei davídico ideal, cujo governo traz justiça e prosperidade a todos os povos. Nessa estrutura, a salvação é corporativa e cósmica, não apenas individual, visando alinhar a terra à ordem divina do céu (Mateus 6:10).
O ministério de Jesus cumpre essa visão profética. Seus milagres, ensinamentos e proclamação do reino de Deus (Marcos 1:15) sinalizam a chegada do governo divino. Ao declarar que “a salvação vem dos judeus,” Jesus aponta para o papel do povo judeu como portador da aliança divina, por meio do qual o Messias—Ele mesmo—surge para cumprir essas promessas. A mulher samaritana, familiarizada com as expectativas messiânicas baseadas na Torá, reconheceu as implicações das palavras de Jesus e compartilhou o encontro com sua comunidade (João 4:28–29).
3. A Promessa Profética a Judá
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O terceiro aspecto conecta a afirmação de Jesus à bênção de Jacó em Gênesis 49:8–10, um texto fundamental tanto para judeus quanto samaritanos: “O cetro não se arredará de Judá… até que venha aquele a quem ele pertence, e a ele se congregarão os povos.” Essa profecia designa Judá como a tribo destinada a produzir o rei definitivo de Israel, cujo governo se estenderá às nações. No judaísmo do Segundo Templo, essa passagem era interpretada como messiânica, alimentando expectativas de um libertador davídico (cf. Salmos de Salomão 17:21–23).
O Novo Testamento liga explicitamente essa profecia a Jesus. Apocalipse O chama de “o Leão da tribo de Judá” (Apocalipse 5:5), e Hebreus 7:14 afirma que “nosso Senhor procedeu de Judá.” Em João 4:22, a referência de Jesus à salvação “dos judeus” é uma abreviação dessa promessa específica a Judá. Enquanto os samaritanos reverenciavam a Torá e esperavam um profeta como Moisés (Deuteronômio 18:15), sua tradição não enfatizava um messias da tribo de Judá. As palavras de Jesus corrigem gentilmente a perspectiva da mulher, afirmando que o líder salvador—Ele mesmo—vem por meio de Judá, cumprindo a profecia de Jacó.
Essa afirmação não é excludente, mas inclusiva. Ao se identificar como o Messias (João 4:25–26), Jesus une samaritanos e judeus, oferecendo salvação a todos que adoram “em espírito e em verdade.” A resposta positiva da comunidade samaritana (João 4:39–42) destaca o alcance universal de Sua missão, reconhecendo-O como “o Salvador do mundo.”
Significado Teológico e Cultural
O diálogo de Jesus com a mulher samaritana é um microcosmo de Sua missão maior: reconciliar a humanidade com Deus. Seu engajamento com uma samaritana—uma estrangeira aos olhos judeus—reflete a natureza inclusiva do reino, que abraça tanto Israel quanto as nações (Mateus 28:19–20). No entanto, Sua afirmação do papel de Judá preserva a particularidade da aliança de Deus com Israel, por meio da qual o Messias surge. Esse equilíbrio entre particularidade e universalidade é central à teologia joanina, como visto em João 1:11–12 e 3:16.
Culturalmente, o conhecimento de Jesus sobre as tradições samaritanas e judaicas demonstra Sua capacidade de navegar nas complexidades do judaísmo do Segundo Templo. Sua referência ao “que nós sabemos” alinha-se com a ênfase judaica na aliança davídica, enquanto Sua abertura à mulher samaritana reflete a visão profética de uma Israel restaurada, incluindo todas as tribos (Ezequiel 37:15–22). O diálogo serve, assim, como uma ponte teológica, unindo comunidades distintas sob a bandeira da esperança messiânica.
Conclusão
A afirmação de Jesus, “a salvação vem dos judeus,” resume a profunda interação entre história da aliança e promessa escatológica. Ela afirma a diversidade do judaísmo do primeiro século, que abrigou os seguidores de Jesus; redefine a salvação como o reinado cósmico de Deus, não apenas escape individual; e enraíza a identidade do Messias na bênção profética de Judá. Para a mulher samaritana e sua comunidade, esse encontro com o Cristo judeu foi transformador, levando-os a reconhecê-Lo como o Salvador há muito esperado. Para os leitores modernos, isso ressalta as raízes judaicas da fé cristã e o alcance universal do plano redentor de Deus, cumprido no Leão de Judá que reina sobre todas as nações.
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