O relato breve e enigmático de Enoque na Bíblia há muito fascina judeus e cristãos, deixando-os profundamente curiosos sobre sua vida e, ainda mais, sobre seu destino misterioso. O Livro de Gênesis apresenta Enoque com uma brevidade surpreendente, oferecendo poucos detalhes sobre quem ele era ou por que foi levado por Deus (Gênesis 5:21-24). Essa escassez de informações só alimentou séculos de especulação, inspirando uma riqueza de tradições extra-bíblicas que tentam preencher as lacunas.
Vários textos antigos—escritos muito depois da Bíblia—apresentam relatos diversos e muitas vezes elaborados sobre o papel de Enoque, sua partida extraordinária da terra e sua importância duradoura no pós-vida. Esses escritos, surgidos de diferentes tradições culturais e teológicas, expandem a narrativa bíblica de maneiras imaginativas. No entanto, como foram compostos muitos séculos depois da redação do Livro de Gênesis (que já estava distante dos eventos originais envolvendo Enoque), suas afirmações permanecem especulativas, adicionando camadas de intriga (não necessariamente conhecimento adicional) a uma figura já enigmática.
Entendendo os Pseudepígrafos
Como este artigo explora fontes que afirmam ter conhecimento bíblico adicional sobre o destino de Enoque, é essencial entender o que são esses textos e quando provavelmente foram escritos.
É hora de introduzirmos um termo acadêmico importante—Pseudepígrafos (pronunciado suu-deh-pí-gra-fa). Os Pseudepígrafos são um gênero literário antigo que atribui textos a figuras conhecidas, como patriarcas, profetas ou apóstolos, que na verdade não os escreveram.
Leitores modernos podem ver o termo como fraude ou falsificação, mas esse julgamento é equivocado. Escritores e audiências antigas não viam a autoria da mesma forma que nós hoje. Atribuir um texto a uma figura reverenciada era muitas vezes uma forma de honrar a tradição, conectar novas ideias a uma autoridade estabelecida e situar um texto dentro de uma linhagem teológica específica. Em vez de engano, essa prática era uma forma de reverência—um meio de alinhar novas interpretações com a sabedoria do passado.
Entre os exemplos mais famosos de Pseudepígrafos estão os Livros de Enoque, que expandem dramaticamente a história da figura bíblica. Sem entender as convenções culturais e literárias da pseudepigrafia antiga, leitores modernos podem interpretar mal esses textos como se afirmassem ter sido realmente escritos pelos autores bíblicos. Em vez disso, devem ser vistos como comentários teológicos úteis de crentes antigos, que nos permitem uma rara oportunidade de espiar a janela das lutas teológicas dessas comunidades com os mesmos textos bíblicos com os quais lutamos hoje.
Entendendo Targum e Midrash
Embora esses conceitos apareçam menos proeminentemente em nosso artigo, ainda são essenciais para entender a interpretação bíblica judaica antiga e precisam ser mencionados pelo menos de forma geral, para que você saiba o que significam quando surgirem.
Targum refere-se a uma tradução antiga em aramaico e uma paráfrase interpretativa da Bíblia Hebraica. Surgindo durante o período do Segundo Templo (c. 500 a.C.–70 d.C.), os Targumim (plural) eram usados nas sinagogas para ajudar judeus falantes de aramaico a se envolverem melhor com as Escrituras Hebraicas. Diferentemente de traduções rigorosas, eles frequentemente expandem o texto com explicações, insights teológicos e outros comentários, misturando tradução com interpretação. Embora “Targum” literalmente signifique “tradução”, não é uma tradução no sentido moderno da palavra. Serve como uma ferramenta interpretativa e interativa enquanto se estuda o texto bíblico em conversa pública com outros crentes.
Midrash representa a tradição rabínica de exploração profunda das Escrituras, indo além do significado simples do texto. Ele vem em duas formas principais, sendo uma delas, o Midrash Aggadah, particularmente relevante. Ele explora narrativas, ensinamentos morais e teológicos por meio de interpretação criativa. Desenvolvido entre 200 e 1000 d.C., os midrashim buscam resolver ambiguidades, preencher lacunas narrativas e extrair lições atemporais das Escrituras. Esse método interpretativo judaico dinâmico mantém o texto bíblico vivo, permitindo que cada geração se envolva com sua sabedoria de novas maneiras, mas também corre um alto risco de obscurecer a revelação bíblica em si com a sabedoria de comentaristas bem-intencionados, mas muitas vezes mal informados e ideologicamente motivados.
Tendo definido os três conceitos mencionados acima—importantes para uma interpretação responsável de textos extra/para-bíblicos (Pseudepígrafos, Targum e Midrash)—podemos agora examinar alguns exemplos representativos. Abaixo, escolhemos destacar vários tópicos, entre muitos.
Transformação em um ser celestial
Há um extenso conjunto de referências relacionadas a Enoque que tratam de sua glorificação, de humano para celestial. Aqui estão alguns exemplos:
“E o Senhor disse a Miguel: ‘Toma Enoque e remove suas vestes terrenas, unge-o com meu doce óleo e veste-o com as vestes da minha glória.’” (2 Enoque 22:8)
“E o Senhor me chamou e disse: ‘Enoque, senta-te à minha esquerda com Gabriel.’” (2 Enoque 24:1)
“E olhei para mim mesmo, e era como um dos gloriosos, e não havia diferença visível.” (2 Enoque 22:10)
No reino celestial, Enoque foi transformado em um ser angelical e recebeu um alto status dentro da hierarquia celestial. Embora antes fosse um mero humano, agora não havia diferença visível entre ele e outros seres celestiais poderosos (pelo menos de acordo com o testemunho “dele”).
Enoque como Secretário Celestial
As referências relacionadas a Enoque também tratam de seu novo papel como um poderoso secretário/escritório/mediador celestial. Aqui estão alguns exemplos:
“E Ele me disse: ‘Enoque, escriba justo, vai, declara aos Vigilantes do céu que abandonaram o alto céu…’” (1 Enoque 15:1)
“Enoque, escriba da justiça, foi enviado para proclamar o juízo aos Vigilantes.” (1 Enoque 12:4)
“Enoque foi colocado no Jardim para escrever os juízos e ensinar justiça aos anjos.” (Jubileus 10:17)
“Enoque, o escriba, foi levado aos céus para interceder pelos Vigilantes.” (Livro dos Gigantes, Manuscritos do Mar Morto 4Q530)
As passagens enóquicas de 1 Enoque, Jubileus e o Livro dos Gigantes retratam Enoque como um escriba justo e intercessor, encarregado de proclamar o juízo divino aos Vigilantes—anjos caídos que, de acordo com 1 Enoque 6–11, abandonaram seus papéis celestiais, uniram-se a mulheres humanas e corromperam a terra, provocando o Dilúvio. Essa tradição de uma figura justa proclamando juízo a seres espirituais rebeldes ressoa com referências nas epístolas do Novo Testamento atribuídas a Pedro, especificamente 1 Pedro 3:19–20 e 2 Pedro 2:4–5, onde Cristo é descrito pregando aos “espíritos em prisão” e o juízo dos anjos é ligado ao tempo de Noé. Tanto os textos enóquicos quanto os petrinos se baseiam em um quadro teológico compartilhado, enraizado em tradições judaicas do Segundo Templo sobre justiça divina, a queda dos anjos e a era pré-diluviana. No entanto, Pedro reinterpreta esse quadro através de uma lente cristológica, enfatizando a autoridade divina, a missão redentora e a vitória final de Cristo, em contraste com o papel humano, de escriba e intercessor de Enoque.
A Transformação de Enoque em Metatron
A tradição enóquica mais intrigante, encontrada em 3 Enoque, surge do século V–VI d.C., muito depois de 1 Enoque e 2 Enoque (algum tempo entre 300 a.C. e 200 d.C.). Esse texto detalha a glorificação de Enoque com implicações teológicas marcantes (e inaceitáveis) tanto para o judaísmo quanto para o cristianismo.
Em 3 Enoque, o rabino Ismael viaja ao céu, onde encontra Metatron. Metatron parece ser o anjo supremo (semelhante ao conceito do Anjo do Senhor), frequentemente identificado com Enoque, transformado em um ser celestial. Ele serve como escriba de Deus, registrando os atos humanos e eventos cósmicos, e age como um intermediário divino. A etimologia de seu nome é incerta, e muitas teorias foram propostas. No entanto, é mais provável que o nome Metatron, embora escrito em hebraico, derive da frase grega meta thronos, que significa “ao lado do trono”.
“Rabino Ismael disse: O Santo, bendito seja Ele, me tomou e me elevou às alturas… e Ele me mostrou Metatron, Seu servo… e Ele me disse: ‘Este é Enoque, filho de Jarede… a quem tirei deles, a quem elevei para servir diante do Meu Trono de Glória.’” (3 Enoque 4:1–10)
O status exaltado de Metatron é ainda mais enfatizado:
“O Santo… me designou (Metatron) como príncipe e governante sobre todos os príncipes dos reinos… E Ele escreveu com Seu dedo, como com uma pena de fogo, sobre a coroa em minha cabeça as letras pelas quais o céu e a terra foram criados.” (3 Enoque 10:3–6)
“O Santo… colocou Sua mão sobre mim e me abençoou com 1.365.000 bênçãos. Fui ampliado e aumentado em tamanho até igualar o mundo em comprimento e largura. Ele fez meu trono como Seu trono e minha glória como Sua glória… e Ele me chamou de ‘O Menor YHWH’ na presença de Sua corte celestial.” (3 Enoque 6:1)
O título “Menor YHWH” (YHWH ha-Katan) para um humano glorificado no céu apresenta desafios teológicos significativos. Para o cristianismo, isso conflita com a crença em Jesus como o Verbo eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, que foi reglorificado na ressurreição e ascensão, não um humano elevado ao status divino, como no caso de Enoque. Para o judaísmo, a existência de um segundo ser poderoso no céu ameaça seu monoteísmo inegociável.
Uma narrativa paralela no Talmude Babilônico (Hagigah 15a), do mesmo período, relata que quatro rabinos visitam o paraíso. Seu encontro com Metatron deixa um impacto profundo: apenas um retorna em segurança, um morre, um enlouquece, e Elisha ben Avuyah (chamado Aher, “outro”, após se tornar um judeu cristão/cristão judeu) reage de forma proibida:
“Aher viu Metatron sentado e escrevendo os méritos de Israel. Ele disse: ‘Foi ensinado que no alto não há sentar, não há competição… Talvez—Deus me livre!—haja dois poderes no céu?!’” (Talmude Babilônico, Hagigah 15a)
A história revela que, apesar de obedecer ao comando de Deus, Metatron não se levantou quando os rabinos se aproximaram, causando confusão. Por isso, ele é repreendido e açoitado com quarenta chicotadas de fogo por figuras angelicais, reforçando que apenas uma autoridade reina no céu.
Conclusão
A tradição enóquica, com seu vibrante mosaico da ascensão de Enoque, seus deveres celestiais e sua transformação em Metatron, nos convida à imaginação sem limites das mentes judaicas antigas e cristãs primitivas. Tecidas a partir dos fios dos Pseudepígrafos, Targum e Midrash, esses textos são tentativas sinceras de desvendar o enigma da breve menção a Enoque em Gênesis (5:21–24). Como tesouros históricos, eles iluminam as buscas teológicas e o espírito criativo das comunidades antigas, mas sua natureza especulativa e origens tardias (300 a.C.–século VI d.C.) nos lembram que não são a voz infalível da verdade divina.
Os textos enóquicos, frequentemente chamados de “livros perdidos da Bíblia”, entram em conflito significativo com os ensinamentos do Novo Testamento, destacando por que nunca foram canonizados como a Palavra de Deus. Suas narrativas especulativas divergem do que parece bastante claro nas Escrituras, particularmente em sua retratação do juízo divino e autoridade. Na tradição enóquica, o dilúvio é atribuído aos “Filhos de Deus” transgredindo limites celestiais ao se casarem com mulheres humanas, contrastando fortemente com o foco do Novo Testamento no pecado humano como causa do juízo divino (Romanos 5:12). Além disso, a representação de Enoque como uma figura semelhante a Cristo, pregando a espíritos aprisionados, confunde a autoridade única de Cristo descrita em 1 Pedro 3:19–20, cumprindo aparentemente a mesma tarefa. Mais impressionante ainda, a elevação de Enoque a Metatron, o “Menor YHWH” (3 Enoque 6:1), colide com a alta cristologia do Evangelho de João, que afirma que Cristo é o segundo poder no céu, não Enoque (João 1:1, 14). Essas discrepâncias destacam o abismo teológico entre o folclore enóquico e a mensagem do Novo Testamento, ao mesmo tempo que confirmam que ambas as fontes beberam da mesma fonte rica do judaísmo antigo.